TEXTOS CURATORIAIS

Prisma Incidental

Rabiscar linhas, tangenciar curvas, inclinar ângulos de forma improvável, sobrepor retângulos e hexágonos, interceptar triângulos com semirretas, tornar infinito o ponto de fuga. Aspirar que o desenho, algum dia, se torne um volume numa paisagem. A conversão de um projeto arquitetônico, iniciado por ideias-rabiscos até a materialização de um monumento de concreto, é em grande parte uma aventura que tem a geometria como enlevo e desafio. Retas, curvas e todas as formas geométricas também lutam e se conciliam nas tramas urdidas entre a figura e o fundo das composições fotográficas. Contribuem também as luzes e sombras que redesenham sobre o referente dado uma paisagem volátil e impermanente, gerando diferentes percepções sobre o mesmo espaço. Convidada a fotografar a Cidade das Artes, em comemoração aos 10 anos de inauguração deste prédio-monumento idealizado pelo arquiteto francês Christian de Portzamparc, Bia Serranoni ao invés de se limitar a registrar a edificação no padrão da fotografia de arquitetura, optou por realizar uma espécie de “desmontagem” do prédio, gerando um prisma, um vertiginoso caleidoscópio dos elementos geométricos infinitos que se formam quando as linhas traçadas pelo arquiteto brincam com a incidente e farta luminosidade carioca. “Prisma Incidental” ao decompor a arquitetura explicita, nessa montagem em que as peças se reúnem para fabular outras construções oníricas possíveis, que diante de uma obra, seja artística ou da construção civil, a resultante mais importante será sempre sua capacidade de gerar no espectador pontos de vista capazes de criar uma experiência estética que excite o seu imaginário. Afinal, quem de fato constrói paisagens, edificações, imagens e poemas, é sempre ele, o público.

Eder Chiodetto
Curador da exposição Prisma Incidental

É numa zona de interseção entre arquitetura, fotografia e pintura que Bia Serranoni delimita seu campo de investigação poética. Tomando como referência a Fotografia Moderna brasileira, a artista se lança em uma experiência de anexação do mundo a partir de perspectivas parciais.
Tal qual o pintor, que se refere ao mundo tanto pelas manchas que executa quanto pelos espaços em branco que preserva, suas fotografias abrem mão do referente para alcançar a feição e os contornos de um universo de sentidos: o que se retém na alma como qualidade. Sua atenção se volta a jogos compositivos que se fazem a partir de zonas de luz e sombra que tingem as fachadas dos prédios, mas logo desaparecem. A artista reconhece e registra uma gama de formas que, apesar de efêmeras, apresentam entre si diferenças suficientemente claras para suscitar no outro, se não uma consonância com a experiência vivida, pelo menos um eco.
Não há como se fazer um inventário de uma experiência sensível – dizer o que a ela pertence ou o que nela falta. Tampouco há linguagem capaz de, numa reunião de signos, dar conta do que é impalpável. Mesmo assim, a artista efetua uma possível recuperação desse mundo na medida em que o refaz em imagem para que um outro alguém o conheça. Para tanto, basta que esse outro alguém seja sensível aos fios de silêncio com que é tramado o tecido dessa narrativa.
Foi na gradativa perda de memória do pai e nos mundos que ele agora concebe mentalmente como refúgio (tão reais para ele e invisíveis para os outros) que Bia, na série Deslembrar ( parte desse conjunto), decidiu lançar luzes sobre seus mundos particulares, tão provisórios quanto um raio de luz, como também imperceptíveis para tantos. Atentar para as cesuras que compõe essa narrativa é a possibilidade de reconhecer em sua textura mais íntima, um emblema válido desse mundo e reunir-se à artista no centro dele. Tornados transparentes ou luminosos, esses recortes são capazes de revelar não só os aspectos de um mundo particular da artista, mas também tantos outros que existem e resistem ao apagamento na memória de cada um de nós."

Alexandre Sequeira
curador e artista visual